REFLEXÕES SOBRE UMA EXPERIÊNCIA DE SUPERVISÃO EM PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA.
RESUMO: O presente artigo é uma exposição geral de como ocorreu o estágio curricular em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica no curso de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia em 2009. Traz reflexões sobre a supervisão no processo de construção da identidade do psicoterapeuta a partir das concepções psicanalíticas, dentro de características do Modelo Compreensivo-Relacional de Supervisão em Psicoterapia de Orientação Analítica e da graduação em Psicologia da Universidade Federal de Rondônia.
PALAVRAS-CHAVES: Psicanálise-Psicoterapia-Supervisão-Estágio
O estágio curricular denominado “Psicoterapia de Orientação Analítica (POA)”, é oferecido no curso de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia desde que a primeira turma chegou ao 10° período (quinto ano) do curso em 1993 (O curso de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia teve inicio em 1989 na capital Porto Velho). É exercido no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) da Universidade, que atende gratuitamente á comunidade e oferta em média 10 vagas por turma.
Este artigo é fruto do trabalho exercido junto a turma de estagiários de Psicoterapia de orientação analítica em 2009 como supervisor e se configura com o intuito de pensar o exercício desta atuação.
PSICOTERAPIA DE ORIENTAÇÃO ANALÍTICA VERSUS PSICANÁLISE.
Um dos pontos de extrema relevância que foi se configurando, era a importância de se delimitar de forma adequada os conceitos que marcam as diferenças entre a Psicoterapia de Orientação Analítica e a Psicanálise. A primeira tem forte influencia do método freudiano mas se distingue deste em partes de sua execução e em seus objetivos.
A preocupação em demarcar bem estas diferenças foi um dos pontos essenciais do Estágio, sendo que, na verdade, é uma temática em alguns aspectos complexa, mesmo entre psicanalistas.
Se, no inicio da Psicanálise, a preocupação de Freud, em relação a outras psicoterapias era a de separá-la de técnicas “sugestivas”, segundo Wallerstein (2005), o surgimento da psicoterapia psicanalítica foi um fenômeno tipicamente americano, resultado da tentativa de aliar a psicanálise a psiquiatria. Citando Knight (1945/2005), o autor aponta que até o advento da psicanálise a psiquiatria carecia de uma psicologia e que a partir daí, tem-se a formulação dentro do marco referencial psicanalítico do que hoje conhecemos como psicoterapia psicanalítica.
Evidentemente, a concepção americana da psicanálise trouxe a urgência de se colocar em pratica de forma sistematizada, questões que antes eram apenas idéias mais vagas, como por exemplo, uma maior rapidez no tratamento. Tinha, inclusive, segundo Wallerstein (2005), o direcionamento do que leram no próprio Freud, quando este escreveu que toda terapia que estivesse baseada nos conceitos de transferência e resistência poderia se denominar psicanálise.
Autores não americanos são também importantes para se entender as transições que levaram a psicanálise a outros patamares que não os elaborados por Freud, e que de alguma forma, possibilitaram concepções para a psicoterapia psicanalítica; Mondrzak (2005), da ênfase aos ingleses Melanie Klein e Wilfred Bion. A primeira com suas contribuições ao trabalho com crianças e psicóticos e o segundo também com pacientes difíceis e seu destaque aos requisitos essenciais ao estado mental do analista para promover o processo.Podemos a partir daí, inferir que uma importância maior foi sendo dada a figura do analista como mobilizador e não apenas a dinâmica do paciente.Vale também ressaltar o que o francês Jacques Lacan em 1955 no seu Seminário “O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica” passava a trazer. Lacan escreveu sobre a principal resistência ser do analista e não do paciente.
Então, para Mondrzack (2005):
“(...) ambas as formas de tratamento, psicanálise e psicoterapia psicanalítica, partem de um mesmo corpo de conhecimento e utilizam o insight e a interpretação como ferramentas básicas de trabalho. Cada uma no entanto dá origem a processos particulares quê se desenvolvem em settings diferentes, resultando principalmente, em graus distintos de profundidade da emergência da transferência (Ornstein, 1988). Há diferenças relacionadas a formação de um psicoterapeuta e de um analista e aos objetivos propostos: em uma psicoterapia há um foco central enquanto em psicanálise não há o comprometimento com algum aspecto em particular da vida do paciente” (MONDRZACK, 2005, p.134).
Mondrzack (2005) especifica que em psicoterapia psicanalítica, faz parte do método a delimitação de áreas preferenciais (focos). Tal delimitação já mostra uma diferença radical da psicanálise clássica onde a associação livre e a atenção flutuante organiza o trabalho analítico. Já Eizirik e Hauck (2008), se perguntam como distinguir na prática, uma coisa da outra.
“(.... ) e considerando-se a existência da psicoterapia psicanalítica como uma modalidade de tratamento que tem suas próprias indicações e objetivos, o que a define? Uma posição mais atual considera que uma clara diferença entre a analise e a psicoterapia psicanalítica, mas há na pratica, superposições das características de uma e de outra em um continuo em que um pólo esta a psicanálise e em outro esta a psicoterapia psicanalítica, com áreas em que tal diferenciação nem sempre é facilmente realizável.”(EIZIRIK e HAUCK, 2008, p.159)
Tal observação de que na vivencia do atendimento, não é tão fácil de se apreender as diferenças foi um dos pontos freqüentes do trabalho de Estágio. Não era incomum os estagiários colocarem questionamentos que apontavam esta direção, não apenas sobre o que seria diferente se fosse uma Psicanálise mas também sobre como perceber o que se caracterizava como transferência, qual momento de se interpretar, como manejar o silêncio e como estabelecer foco.
A posição de supervisor sempre buscou estabelecer as diferenças entre POA e Psicanálise, alertar sobre as minúcias da pratica que muitas vezes não nos permite ver e sentir com muita clareza tais diferenças. Sobre o manejo técnico, consideramos importante o estudo freqüente com leituras e discussões de textos e era comum que eu compartilhasse vivencias que tive ao longo dos anos de pratica clinica, assim como desde o começo demarquei a importância destes estagiários estarem em processo de analise para que completássemos aquilo que Freud colocou em sua obra sobre o tripé necessário para a formação do analista; os estudos, os atendimentos e a analise pessoal. Se não podemos falar de fim das duvidas, o que ao nosso ver é impossível, podemos com certeza dizer que ao longo dos meses de atendimento, os estagiários lidavam melhor com o trabalho, cada um dentro da sua forma de apreender e aplicar com maior ou menor facilidade.
Voltando as diferenciações, Cordiolli e Gomes (2008), defendem que muito desta demarcação passa também pela compreensão do que seriam indicações e contra indicações entre POA e Psicanálise. Para os autores, a Psicanálise está indicada para pessoas com problemas de caráter e transtornos de personalidade, está contra-indicada para crises agudas, psicose, transtornos de ansiedade, transtornos graves de personalidade, transtornos de humor e dependência química. Quanto a POA, colocam as indicações de transtorno de personalidade independente do grau e traços desadaptativos e as contra-indicações praticamente semelhantes à Psicanálise.
Na atuação do Estágio, foram seguidas basicamente estas orientações, entretanto foi também uma característica a importância de compartilhar que outros autores pensam diferente e que a Psicanálise e a Psicoterapia psicanalítica a partir de um Lacan ou Winnicott, por exemplo, buscaram tratar também as psicoses e outros pacientes difíceis. Assim, apesar de seguir bem as orientações não chegamos a recuar totalmente em situações que fugiam do terreno da neurose. O que nos aconteceu com freqüência foi questionar se ainda estávamos praticando POA com intervenção suportiva ou se já se configurava mesmo uma terapia de apoio.
Cordiolli e Gomes (2008) escrevem ainda sobre as condições pessoais necessárias para o trabalho em psicoterapia psicanalítica se comparado a Psicanálise; se nesta a capacidade de insight, o ego estruturado, o pensar psicológico e a disponibilidade de tempo e dinheiro são básicos; na POA as exigências são menores quanto a motivação, força de ego, tempo e dinheiro.
No que tange a questão desta demarcação das diferenças, provavelmente nada é mais importante do que o manejo da transferência. Não era a toa que a transferência aparecia com freqüência como duvida entre os estagiários. O próprio Freud em suas “Recomendações aos que exercem a Psicanálise”, de 1912, já alertava que não era a interpretação, mas sim o manejo da transferência que merecia maior atenção dos novos analistas.
Eizirik, Libermann e Costa (2005), sobre a diferença entre POA e Psicanálise pelo manejo transferencial, escrevem:
“A Psicanálise se caracteriza por estimular o aparecimento de reações transferenciais, visto que a analise sistemática da transferência é o ponto central da técnica psicanalítica. A estruturação do setting, uso do divã, freqüência de quatro a cinco sessões por semana, associação livre, neutralidade do analista, duração prolongada, etc, promove a regressão do paciente e a repetição de elementos contidos nas suas relações de objeto primitivas”.(EIZIRIK; LIBERMANN; COSTA, 2005, p. 77).
Seguindo os autores, apontamos sempre que em Psicanálise os conflitos precisam ser trabalhados no terreno da transferência e que esta concentração de conflitos na situação analítica, chamada por Freud de Neurose de Transferência, não se configurava em POA. Nesta, a abordagem da transferência é limitada, pois não é objetivo a analise sistematizada do fenômeno transferencial, muito menos sua estimulação;
“Tecnicamente a psicoterapia dirigida ao insight apresenta uma organização que não se mostra adequada á regressão profunda. A posição do paciente e do terapeuta (sentados frente a frente), a freqüência das sessões (uma a duas por semana), e o tempo menor de tratamento são fatores que realçam a realidade da relação, limitando a ocorrência de fenômenos regressivos como aqueles vistos em analise”. (EIZIRIK; LIBERMANN; COSTA, 2005, p. 77).
Importante ressaltar que antes de iniciar o Estágio, os alunos já possuíam um conhecimento razoável das diferenças já tendo experiência (mesmo que diferente) no contato com pacientes decorrente de disciplinas como Teorias e Técnicas Psicoterápicas e Técnicas de Aconselhamento Psicológico que foram de grande valia á atuação na clinica. Os estudos em grupo no Estágio apenas complementaram a temática e talvez, em alguns pontos tenham adquiridos caráter de novidade.
CARACTERISTICAS INSTITUCIONAIS DOS ATENDIMENTOS.
O Estágio em POA foi exercido no Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Federal de Rondônia (SPA), como tem sido ao longo dos anos em que o curso de Psicologia funciona na Universidade.Trabalharam sob supervisão oito estagiários que atendiam na clinica tanto no período da manha quanto a tarde a partir de maio de 2009.
Os estagiários precisavam cumprir um total de 400 horas entre atendimento, entrevistas de triagem e supervisão.Inicialmente começando pelas entrevistas de triagem, pratica que eles já conheciam da disciplina Técnicas de Aconselhamento Psicológico, onde pudemos colocar a importância do primeiro contato, não para se prender a demanda inicial que como se foi verificando, na grande maioria das vezes mudava ao longo dos atendimentos, mas para que fosse possível aprimorar a escuta do tipo de transferência que o paciente estabelecia para que então nós percebêssemos se iríamos lidar com uma estrutura de personalidade neurótica ou não. Nesta etapa uma preocupação foi a de estabelecer que não precisávamos nos prender a uma única entrevista de triagem, mesmo que essa fosse uma pratica já comum no SPA.
Com Mannoni (1987), procuramos valorizar a idéia de entrevistas preliminares e assim adaptar ao que caracterizava nosso espaço Institucional. Houve casos em que foram necessárias duas ou três entrevistas de triagem para podermos oferecer um devido encaminhamento. Aqui é importante salientar que as triagens sempre tiveram objetivo de encaminhar para os serviços disponíveis na clinica do SPA (no caso, POA ou Psicoterapia Gestaltica, esta para grupos de adolescentes, adultos e crianças) ou ainda repassar para serviços existentes na comunidade não oferecidos pela Universidade.
Com os atendimentos, definimos que cada estagiário atendesse cinco pacientes no máximo escolhidos em conjunto comigo a partir das fichas que eram preenchidas na triagem. Haviam fichas de pessoas entrevistadas em anos anteriores que nunca foram chamadas ou que já haviam sido atendidas e aguardavam a continuidade da psicoterapia assim como as fichas de novos entrevistados. Este aspecto marca uma das dificuldades do SPA. Muitas pessoas não podiam ser atendidas, pois a demanda muitas vezes era maior do que a oferta o que ás vezes caracterizava frustração em alguns estagiários. Lidar com esta frustração também fazia parte do meu trabalho como supervisor.
Outras características do SPA mereciam atenção. O contato com os pacientes era sempre feito pelas secretárias e não pelos alunos. Tal procedimento ajudava a que os vínculos fossem com a Instituição e não com os futuros psicólogos. Apesar de também ter passado por isso quando estagiário, minha vivencia profissional foi sempre no sentido contrario, mas trabalhávamos este ponto como uma das diferenças entre Psicanálise e POA ou ainda entre um trabalho em uma Instituição Pública e em um consultório particular, aspecto de suma importância que apontava a direção de nosso trabalho indo também em alguma medida, para a compreensão de dinâmicas Institucionais e não apenas para a analise de indivíduos. Reflexões sobre o “modus operandis” do SPA, nos possibilitaram refletir também sobre como pode ser o trabalho do psicólogo além das quatro paredes do consultório e as especificidades de Instituições na área da saúde, escolar e jurídica, além das inserções e limites da Psicoterapia e da Psicanálise nestes espaços.
Voltando a questão da política do SPA de que o vinculo dos pacientes deve ser com a Instituição e não com os estagiários, esta pode ser facilmente compreendida. Os estagiários ficam no atendimento em um período quase sempre de menos de um ano.Ao findar este tempo, tempo final da graduação, outros estagiários assumirão a função e ai acontece de os pacientes poderem dar “continuidade” a psicoterapia com outro terapeuta. Como manter isto se defendermos o vinculo intenso com o estagiário? Fatalmente o paciente quererá dar seguimento em sua psicoterapia com o mesmo terapeuta e rejeitará um novo estagiário. Tal situação é sempre passível de acontecer, mesmo com esta política Institucional.
Existem pacientes que mesmo com as orientações devidas sobre o funcionamento da clinica, “agarram-se” ao estagiário que lhe atende. Isto evidentemente pode ser solucionado se o novo psicólogo levar o paciente consigo, seja para seu consultório particular, seja para uma outra Instituição em que irá atender depois de graduado ou permanecer atendendo no SPA por mais um tempo. Caso aconteça, nossas discussões nunca esqueciam as orientações contidas no Código de Ética profissional do Psicólogo, assim como a importância de se buscar esclarecer de forma adequada cada situação junto ao paciente.
Apesar do trabalho em Psicoterapia de Orientação Analítica não estimular os fenômenos transferências como acontece na Psicanálise, estes sempre estarão acontecendo e não podemos ser ingênuos a ponto de pensar que não se construa um vinculo entre psicoterapeuta e paciente que possa proporcionar um trabalho intenso a ponto de exigir a permanência da dupla, ainda mais quando atualmente se reconhece cada vez mais freqüentemente, que a relação terapêutica é muito importante para o desenvolvimento do processo.
SER PSICOTERAPEUTA; O ESTAGIO COMO FATOR DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE.
A construção de uma identidade enquanto psicoterapeuta para cada um dos estagiários, ou o inicio desta construção, uma vez que devemos pensá-la como um processo que se estende para além da graduação, também se constituiu como meta de trabalho. Nossa preocupação se voltou para facilitar o desenvolvimento de estilos próprios de cada estagiário, dentro dos alicerces da teoria psicanalítica, porém longe de quaisquer formas de ortodoxias. Neste sentido escreve Szasz (1983):
“É claro que tanto o analista quanto o analisando devem ser deixados em liberdade para se conduzirem como acharem melhor, desde que se mantenham nos limites das regras do jogo da análise. O analista competente desenvolverá, desta forma, seu estilo próprio de analisar; esse estilo tem probabilidade de variar um pouco de paciente para paciente e pode também se modificar á medida que o analista se torna mais velho e é submetido a experiências diversas”( SZASZ, 1983, p.230)
Sobre a formação de uma identidade, escrevem Zaslavsky e Brito (2005):
“Como mencionamos, uma das funções básicas do ensino da psicoterapia de orientação analítica é proporcionar condições para a formação de uma identidade de psicoterapeuta..
Essa identidade começa a formar-se por meio da experiência emocional que o psicoterapeuta tem ao entrar em contato com seus conflitos inconscientes, entendê-los, elaborá-los com o objetivo de promover mudança psíquicas e nos padrões de relação de objeto que seu tratamento pessoal pode proporcionar”.(ZASLAVSKY; BRITO, 2005, p.484.)
Não podemos deixar de com esta afirmação, correlacionar a qualidade do trabalho do psicoterapeuta com sua análise pessoal. Mesmo não sendo obrigatória, a análise de cada um foi, constantemente, uma orientação dada, pois as entendemos, atendimento e análise pessoal, como experiências que não podem ser dissociadas.
Calligaris (2004), escrevendo sobre a vocação para ser psicoterapeuta enfatiza que o psicoterapeuta não deve esperar reconhecimento ou agradecimento de seus pacientes e que escolhamos outra profissão se isso nos for importante. Por duas razões:
“Primeiro, na vida social o psicoterapeuta não encontra nada parecido com a espécie de gratidão que em geral é reservada ao médico (como um agradecimento preventivo caso acabemos em suas mãos). O psicoterapeuta encontra uma atitude (nem sempre escondida por trás da polidez dos costumes) que é uma mistura de temor com escárnio (...)”.
Segundo, o psicoterapeuta não deve esperar a gratidão de seus pacientes. Nada de presentes no Natal ou nas outras festas. Nas curas que proporciona, o psicoterapeuta é por assim dizer, ele mesmo o remédio. E, nos melhores dos casos, quando tudo dá certo, ele acaba exatamente como um remédio que a gente usou e que fez seu efeito: uma caixinha aberta com as poucas pílulas que sobraram, no fundo do armário do banheiro.A caixinha é guardada durante um tempo porque nunca se sabe; um dia a gente a encontra, não se lembra mais qual era seu uso, constata que de qualquer forma, o remédio está vencido e joga fora. E é bom que seja assim.”(CALLIGARIS, 2004, p.05-06)”.
Para o autor, nenhuma psicoterapia deve almejar a dependência do paciente e que, se a terapia faz seu efeito, o paciente pára de idealizar o psicoterapeuta.Esta compreensão de que a psicoterapia psicanalítica deve visar a autonomia do paciente foi, a nosso ver, ficando cada vez mais tranqüila aos estagiários a medida que os trabalhos corriam. Já a questão de não se esperar nada do paciente, o que nos remetia inevitavelmente a conteúdos contra-transferenciais, foi aspecto mais difícil de se lidar.Era frequente em supervisão, os estagiários relatarem seus incômodos quanto a pacientes que desistiam do tratamento ou que faltavam ás sessões.Em vários momentos falávamos mais destes sentimentos do que do manejo dos conteúdos do paciente. As ansiedades percebidas eram cuidadosamente pontuadas pois enfatizávamos que a supervisão, por mais que trabalhasse a contra-transferencia, não se constituía uma analise de grupo e que determinadas manifestações precisavam ser levadas para sua analise pessoal. Aqui podemos ressaltar que tais ansiedades não são patrimônio da fase em que se encontram. Nossa experiência já percebeu que manifestações assim acontecem também com aqueles que tem maior experiência no trabalho psicoterápico.
Outro ponto importante; as fantasias referentes a como devemos nos comportar em sociedade uma vez que decidimos ser psicoterapeutas. Um discurso quase freqüente parece querer impor determinados estereótipo para a imagem do futuro psicoterapeuta, mostrando que idealizações estão presentes também entre os estagiários e suas representações sobre o como se comportar enquanto psicólogo e principalmente, psicoterapeuta, assim como uma preocupação em qual imagem o paciente deve ter em relação ao psicoterapeuta.Calligaris (2004), é preciso quanto a isto:
“Se você sente uma responsabilidade diante da tendência de seus pacientes a se identificarem com você, essa responsabilidade deveria lhe sugerir o seguinte: seja você mesmo. Ou seja, não aja para apresentar a seu paciente e ao mundo, uma imagem que seria agradável ou mesmo presumivelmente boa para quem a ela se identificasse, mas aja quanto mais perto possível de seu desejo”.
Você não deve se vestir, conter seus gestos, modular sua aparência ou inibir sua vida pública de forma a compor a vinheta de uma normalidade desejável.Deveria, ao contrário, comportar-se pública e privadamente como seu desejo manda.
(...) sua responsabilidade é de viver quanto mais próximo possível de seu desejo, de forma que, se o paciente procurar um exemplo em você, será o exemplo de quem ousa se permitir o que deseja.” (CALLIGARIS, 2004, p.150)
Fatalmente tivemos que considerar em nossas discussões o quanto que pensamentos ortodoxos quanto a Psicanálise e a Psicoterapia Psicanalítica se fazem presentes na academia e o quanto são difundidos entre alunos ao longo dos cinco anos de curso.Leituras radicais de como Freud pensou a Psicanálise no final do século XIX tinham a pretensão de delimitar o que deve ser considerado “verdadeiro” e o que não deve ser considerado.De modo geral, a mentalidade dos estagiários era aberta o suficiente para que pudéssemos pensar as vicissitudes sofridas pela doutrina freudiana ao longo do século XX e as variações provenientes da Psicoterapia.Assim não se configurou grande dificuldade nossa intenção de levá-los para longe dos “engessamentos” e que a partir disso, eles pudessem ir construindo suas formas de pensar e conduzir as técnicas freudianas.
Nosso grupo, desde o começo, se familiarizou com os debates que caracterizavam as “guerras” entre os freudianos clássicos e os neofreudianos, a Psicologia do Ego e os lacanianos, Klein versus Anna Freud. Enfim, tivemos sempre a preocupação de podermos pensar todos os lados da história psicanalítica e não nos limitamos a defender nenhuma bandeira específica por mais que houvesse maiores afinidades entre uns e outros.Sempre acreditamos que a ortodoxia é prejudicial para a identidade do psicoterapeuta e deixávamos isto claro durante a supervisão. Neste sentido citamos Rezende e Gerber (2001);
“De um analista que só aprendeu um certo tipo de pensamento e de lógica; Eu sou kleiniano, eu sou lacaniano, eu sou kohutiano..., isto querendo dizer que fora daquele estilo, ele não sabe pensar nem dialogar. Também isso é resistência, ás vezes consciente e muitas vezes inconsciente” (REZENDE; GEBER, 2001, p. 228)
Sobre a resistência do analista, Lacan (1985) foi enfático em sustentar que :
“Existe apenas uma resistência, é a resistência do analista. O analista resiste quando não entende com o que ele tem de lidar. Não entende com o que ele tem de lidar quando crê que interpretar é mostrar ao sujeito que o que ele quer é tal objeto sexual. Engana-se.O que ele imagina aqui com sendo objetivo é apenas pura e simples abstração.Ele é que está em estado de inércia e de resistência.”(LACAN, 1985, p.287)
Enfim, o estágio possibilitou que se construísse, cada um, o inicio de seu estilo, onde a supervisão teve que facilitar tal processo e compartilhar experiências da clínica que já trilhavam um caminho longe dos “engessamentos” típicos de algumas leituras psicanalíticas, como já citamos, ainda comuns na graduação.
O LUGAR DO SUPERVISOR.
Inicialmente devemos pensar o Estágio Curricular como uma disciplina. Há carga horária a ser cumprida, conteúdos a serem ministrados e notas a serem lançadas. Mas se já nos movimentamos para “quebrar” modelos rígidos na Docência sem perdermos os limites, o que invariavelmente nos remete ao que escreveu Freud em “Análise Terminável e Interminável” de 1937, sobre tanto o analisar, quanto o governar e o educar serem da ordem do impossível uma vez que seus resultados sempre deixarão algo a desejar, como não tomar este caminho de forma ainda mais intensa em um trabalho de supervisão?
Com a Psicanálise aprendemos que o ensinamento e a captura deste, depende do estabelecimento de uma transferência positiva entre aquele que ensina e aquele que “capta” e que o lugar de Mestre não é adequado para o educador psicanalítico.Se tais aspectos não estiverem conscientes e elaborados pelo supervisor acreditamos que eles vêm a primeiro plano na relação de estagio e tem grandes chances de afundar o trabalho.Se isto pode acontecer assim em disciplinas de sala de aula, também pode ser em uma relação supervisor-estagiário no curso de graduação.
Kupfer (1989), lança as idéias sobre o educador que consideramos importantes para o trabalho de supervisionar:
“(...) o educador inspirado por idéias psicanalíticas renuncia a uma atividade excessivamente programada, instituída, controlada com rigor obsessivo. Aprende que pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos que produz sobre seus alunos.Fica sabendo que pode ter uma noção,através de uma prova por exemplo, daquilo que está sendo assimilado naquele instante pelo aluno.Mas não conhece as muitas repercussões inconscientes de sua presença e de seus ensinamentos.”(KUPFER, p.97,1989)
Importante considerar que as exigências do Estágio, inerentes ao processo de graduação dos acadêmicos, tornam ainda mais necessárias considerações como as de Kupfer, o que não terá a mesma magnitude, quanto ao peso do supervisor, se for uma relação entre dois profissionais. A necessidade de avaliação é armadilha ao supervisor que não esteja consciente de seu narcisismo na relação com o aluno. O Lugar do Supervisor deve ser construído para que se possa escapar desta armadilha onde é importante a manutenção de posturas equivalentes a de um analista com seu paciente, principalmente a escuta de como o estagiário se sente atendendo e junto com ele ir possibilitando um significado para o trabalho que está sendo feito.
Aqui não podemos nos furtar de mesmo questionar se é possível tamanha autonomia na relação supervisor-supervisionando. O questionamento é ainda mais compreensível quando lembramos das questões relativas a avaliação destes supervisionandos. Como negar a relação de poder inerente em qualquer avaliação? A autonomia não seria algo com um limite imposto, senão pelo supervisor, mas pelo próprio programa de estágio com suas exigências acadêmicas?
Não consideramos que a autonomia proposta aos estagiários deva se equiparar a uma espécie de anarquia, onde não haja imposições de ordem e limites em relação a Instituição formadora. Também não devemos pensar que com isto não podemos chegar a uma autonomia que leve aos estagiários mínimas condições para que passem a partir daí a seguir seu caminho profissional de forma ética e crítica, sem dogmatismos.
Ao supervisor resta possibilitar, facilitar. Não impor e sim fazer pensar. E claro, ele mesmo deve pensar; não apenas conteúdos, mas também a própria relação com os estagiários, até para mantê-la analítica uma vez que trata das manifestações contra-transferenciais destes.O que escreve Valabrega (1992) quando pensa a análise é, guardada as devidas proporções, um caminho para a supervisão:
“Para continuar analítica, com efeito, a posição do analista deve ser ao longo de todo o processo, não a do alter-ego ou ego-auxiliar, como na relação de assistência (se bem que efeitos deste tipo, não necessariamente desfavoráveis, se produzam e sejam utilizáveis, como dizia Freud-pela via de sugestão, mas essencialmente a do terceiro.”(VALABREGA, 1992 ,p.47)
Que o supervisor possa escutar trazendo o simbólico ao momento do encontro e não somente “auxiliando” a encontrar a explicação teórica para o que acontece na clinica, eis o trabalho.
Assim, baseamos tal trabalho a partir dos três modelos metodológicos de supervisão dentro da Psicoterapia de Orientação Analítica, enfatizando constantemente o Modelo Compreensivo Relacional, conforme exposto por Zaslavsky e Brito (2005);
“No Modelo Compreensivo Relacional, o Supervisor participa na experiência de aprendizagem do supervisionando em um nível empático, usa a si mesmo como instrumento para desenvolver, no candidato, as funções essenciais do psicoterapeuta, leva em conta o que se passa na dupla supervisor-supervisionando como forma de entender o material do paciente e abordar a transferência e contratransferência diretamente. Quando necessário, aponta o que o supervisionando deverá levar para seu tratamento pessoal. Este modelo é centrado na interação da dupla.” (ZASLAVSKY e BRITO, 2005, p.488-489)
Os autores enfatizam que no Modelo Compreensivo Relacional, o supervisor participa da experiência de aprendizagem do supervisionando em nível empático usando a si mesmo como instrumento para desenvolver no supervisionando as funções essenciais de psicoterapeuta. Colocam também a importância de se observar a interação da dupla supervisor-supervisionando como forma de se entender o paciente e de se abordar a transferência e a contratransferência diretamente na supervisão.
Zaslavsky e Brito (2005), apontam que além do Modelo Compreensivo Relacional existem outros dois modelos também comuns; O Modelo Clássico e o Modelo Corretivo. No primeiro há uma ênfase na demonstração constante da técnica por parte do supervisor, onde este mostra em suas intervenções como conduziria a análise enquanto que no segundo, há uma preocupação em se mostrar os erros e acertos do supervisionando.Percebemos que se no Modelo Compreensivo Relacional o trabalho é centrado na dupla supervisor-supervisionando, no Modelo Clássico é centrado no paciente e no Modelo Corretivo é centrado no supervisionando.
Apesar de claramente adotarmos o Modelo Compreensivo Relacional, não podemos deixar de citar que houve momentos em que os outros dois modelos foram de alguma forma usados, até porque na prática os três modelos são complementares. Aconteceram situações onde se fizeram necessárias intervenções que tinham características de se enfatizar mais a técnica ou a sintomatologia do paciente do que somente a vivencia do estagiário. Entretanto, todo o trabalho foi guiado predominantemente pelo primeiro modelo de supervisão citado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Estágio em Psicoterapia de Orientação Analítica realizado pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Rondônia mostrou-se uma vivencia de grande importância em termos profissionais e pessoais.Em um ano onde se discutiu muito a Psicoterapia enquanto prática na profissão do Psicólogo a partir dos debates promovidos pelo Conselho Federal de Psicologia acreditamos ter sido possível à construção de um momento onde o processo de formação do Psicólogo atingiu perto de seu ápice sem o objetivo de “tamponar” todas as lacunas da plural e complexa Psicologia.
Evidentemente, não nos organizamos pautados por dogmas ou ecletismos fúteis.Nosso intuito sempre visou possibilitar reflexões e vivencias que foram o inicio de uma identidade profissional pautada no comprometimento e na Ética.
Ao Supervisor, o mesmo deve ser aplicado, com o adendo do fortalecimento de uma identidade já construída, porém sempre passível de reformulações. Por fim, com a Psicanálise que acreditamos, estaremos sempre na posição de questionarmos; Uma supervisão que não se paute na autonomia do supervisionando será algo diferente de um simples exercício de poder?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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